quarta-feira, 15 de maio de 2013

Corda bamba

Andarilho, sem pressa
sob o sol, o céu,
o azul que empresta
um riso ao caminho, bambo

Sobre a linha tênue do tempo
o controle preciso
pra não despencar

Que ao vento me encontro
num mar de desencontros
sei que devo rumar
ao único porto

Do equilíbrio fiz meu barco
no horizonte pintei um verso
pra versar o que virá
o completo estado de viver
não mais na corda bamba.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Fábula

Se fosse só sentar ao sol
e à brisa, e ao mar
E se tão só fosse negar
que a noite logo virá

E se fosse só partir,
surgir,
noutro lugar

E se fosse só correr,
se esconder,
pra não se achar

E se não fosse o luar
não haveria poesia

E se fosse só sorrir
fingir, dançar
e se fosse só pisar
qualquer passo

Se fosse só sonhar,
divagar,
aventurar-se pelo espaço

E se fosse só saltar,
flutuar, leve
e não fosse o tempo escasso

E se fosse só pensar
e da vida ganhar
um abraço

E se fosse só cenário,
o desamparo,
e o fundo falso

E se não fosse no encalço
do percalço,
o prosseguir

E se fosse o ir,
o vir,
o florescer

E se não fosse a fúria,
o silêncio,
a angústia

E se fosse fácil,
não chamaria luta.

sábado, 24 de março de 2012

Fevereiro e Março

Tive fé em fevereiro
que esse seria o primeiro
a passar dos vinte e nove

Mesmo sabendo o roteiro
desse espetáculo inteiro
enquanto o mundo se move

Movimentei-me sem medo
rumo ao topo do rochedo
de onde se vê mais longe

Vi a lua vir mais cedo
vi o sol em desenredo
tingir mais leve o horizonte

Ante o estonteante mar
vi o céu se derramar
nas gotas do azul sublime

E a mim coube averiguar
se o sol se jogou no mar
ou foi da noite um crime

Vi em cada verso um laço
me rendi ao embaraço
da tangente inspiração

E já que ainda há espaço
eis as palavras de março
e assim fechamos o verão.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Biografia

Somos feitos
do que fazemos
do que queremos
do que dizemos

Das flores que mandamos
das pessoas que amamos
e dos amores que não temos

Somos feitos do que fomos
e de onde viemos
das ruas em que brincamos
das músicas que compusemos

Somos feitos do que perdemos
e do que vez em quando achamos

Somos feitos do que rabiscamos
dos cadernos que escrevemos
das bobagens que falamos
das brigas que tivemos

Somos feitos dos enganos
dos prematuros planos

Somos feitos do que vimos
das estrelas que contamos
das noites que choramos

Dos dias que recomeçamos
dos sóis que esperamos

Somos feitos do que pensamos
e até do que não fomos

Somos feitos do que somos
e do que estamos sendo.

domingo, 20 de novembro de 2011

Perto de tudo

E eu continuo a pairar
por essa cidade
buscando um pousar
pra repousar minha ansiedade

Que meu coração cansado
já se apercebe do estrago
que faz a tal verdade

Mas quero vista pra um mar
de felicidade
com brisa a encher
minha sala e minha'lma

E quero janela pra o nascente
do novo sol em minha vida
inundando de luz o quarto
e todo espaço
que já não quer silêncio e sombra

Quero uma varanda ampla
de onde eu possa enxergar longe

E que tenha portas largas
da largura do horizonte

Sim, eu continuo a esperar
aquilo que chamam lar
a enlarguecer minha vontade

Intensa e singular
de poder, sim, estar
enfim, perto de tudo.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Ródano

Deve haver um lugar
um pedaço de céu
pra cada estrela

Ardentes supernovas
tão frias ao longe
no silêncio da noite

E deve haver um lugar
pra cada coração
errar o compasso

Eventualmente, e sorrir
e chorar
num canto, só

E pode ser que por dó
ou por medo
ou sem razão

Haja sempre uma canção
pra entorpecer a solidão

Sim, há de haver uma razão
que só se enxerga são
e aqui são todos sóis

Mas deve haver um lugar
debaixo do céu
pra cada um de nós.

...

Noite Estrelada Sobre o Ródano

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Outono

A primeira folha ninguém notou
caída e só no eterno outono
E o fosco sol que cedo chegou
anunciou que a dor sem dono
se entrega a qualquer um
desfaz o velho riso
faz o mirar impreciso
e o semblante cinza
já cansado, se perder

A primeira estrela não demorou
anunciou a noite clara de estio
Uma sinfonia de silêncio a dançar no céu
tenta a agonia dissipar por dó
desatar da garganta o nó
e devolver à lua o suspirar

A primeira nota foi sem par
do velho violoncelo a arranhar a alma
refazendo do caos a calma
saberá brotar, mesmo em penar, a vida
e a mágoa então arrefecida
revelar-se-á convertida
num pulsar novo e trêmulo
de um coração outrora cansado
que, por fim, renascerá.